terça-feira, janeiro 31, 2012

A FORÇA QUE VEM DA HIDROVIA...


Melhor que um bom argumento é o exemplo. E desta vez, a lição de sucesso no transporte hidroviário vem do sul do país: a travessia Porto Alegre - Guaíba. Um voo de águia.
Vista parcial da cidade de Guaíba, RS
Na virada para 2012, estive no RS, de férias, para revisitar e revolver raízes em minha terra natal, situada na margem oposta à capital gaúcha, no rio de mesmo nome. Pela estrada, cerca de 30 km separam as duas sedes municipais. Por água, metade dessa distância. Guaíba é uma cidade pequena. Seus 95 mil habitantes sobrevivem numa economia local travada e dependente da região metropolitana. Com poucas indústrias de porte, agricultura, comércio e serviços limitados, o município há muito vive a promessa de dias melhores.
Ainda em 1835, foi local estratégico para os líderes revolucionários. Na casa de Gomes Jardim, mais tarde vice-presidente da nova República Riograndense, foram feitos os acertos finais da vitoriosa invasão à capital da província de São Pedro. Todavia, depois de 10 anos de conflitos militares, enfraquecidos, os farrapos fazem acordo com Duque de Caxias e a República dos Pampas é reintegrada ao Império brasileiro. Por aquela façanha, a cidade é considerada berço da revolução farroupilha. Com o embate o Brasil conheceu a determinação e o tutano do povo gaúcho na luta por seus ideais.
Atualmente, os conflitos já não são mais com lanças e facões. As guerras são econômicas e legais, baseadas em incentivos e facilidades. Desse modo, a cidade cresceu com sua sina. Localizada na região centro-sul, mesmo sendo vizinha à capital, viu o eixo do desenvolvimento avançar para o norte e o nordeste, regiões que concentram a maior parte do produto interno gaúcho (PIB). Parece ter sido contaminada também pela síndrome do atraso da metade sul do Estado.
Assim, outrora berço e hoje dormitório da capital, Guaíba imita o caranguejo, de andar para o lado, para trás, sei lá. O fato é que, no sentimento popular permanece estagnada. Existem motivos. Há menos de 15 anos, teve o sonho de sediar uma grande montadora de automóveis. Não passou da terraplanagem do terreno e o empreendimento migrou para outro Estado, fruto da guerra fiscal que corrói a federação. Em disputa seguinte, mesmo com a área pronta, outra montadora preferiu a proximidade do litoral e os benefícios lá oferecidos. Depois, as sucessivas crises nacionais e internacionais adiaram e seguem atrasando os planos de investimentos de empresas já residentes.
Catamarã chegando ao Terminal de Guaíba
            Agora, século XXI, novas perspectivas estão surgindo. Após uma lacuna de décadas, a reimplantação do serviço de travessia hidroviária para Porto Alegre reacende a esperança. Finalmente, rompeu-se o lobby rodoviarista que monopolizou o transporte de passageiros entre as duas cidades, e com ele, as travas ao projeto. Viva à concorrência. Poucos imaginavam o efeito multiplicador dessa medida na economia regional. A proposta inicial que oferecia uma alternativa para os deslocamentos diários dos guaibenses à capital surpreendeu geral. Também os porto-alegrenses redescobriram o encantamento do rio e de sua orla. O passeio virou opção de lazer e a outra margem, ponto turístico.
Turista apreciando a orla do rio
Como conseqüência, o inesperado fluxo de pessoas expôs a fragilidade da infraestrutura do município. Bares, restaurantes, sorveterias e lojas lotadas. Mal davam conta de atender tanta gente. O comércio em ebulição, operando o milagre da economia. O encontro da oferta e da procura, aquecidos pelo poder de compra. Os governantes e o empresariado locais logo perceberam as deficiência e com elas as oportunidades. Articulam-se agora para suprir as demandas, no sentido de reequilibrar o mercado e converter essa nova perspectiva em desenvolvimento efetivo, com distribuição de oportunidades, riquezas e melhoria da qualidade de vida. Nesse movimento positivo, novos empreendimentos buscam a região.  
Mapa da rota de travessia do Catamarã
            Animado com a idéia do “agora vai”, fiz a viagem da travessia. Nada além de 20 minutos. Sem congestionamentos, sem pontes, sem o risco iminente de nossas estradas, com menor consumo de combustível e menos poluição ambiental. O catamarã é uma embarcação confortável, moderna e veloz. As janelas panorâmicas proporcionam um belo visual. Tem-se a sensação que você está abaixo da linha d´água. A infraestrutura dos terminais de embarque e desembarque de passageiros é excelente.  A tarifa de R$ 6,00 é competitiva, considerando a distância de cerca de 15 km. Veja a rota no mapa ao lado.
Interior do Terminal Hidroviário:
ambiente agradável
A operadora da travessia é a empresa Catsul, ligada ao grupo Ouro e Prata. Há 5 anos atua no norte do país, onde seus barcos navegam em águas amazônicas, transportando cerca de 240 mil pessoas por ano. Aqui, em dois meses de operação alcançou a surpreendente marca de mais de 133 mil pessoas. Já faz planos para aquisição de outras embarcações, inserção de novos roteiros, pontos de parada e ampliação do serviço de transporte para outras cidades banhadas pelo rio Guaíba e, quiçá, Lagoa dos patos.
            Em terra, surpreendeu também o passeio de dindinho, oferecido pela administração municipal, que recebe e apresenta a cidade aos visitantes. O roteiro inclui a passagem pelos pontos turísticos centrais e a narrativa de fatos históricos e curiosos. Relatou a simpática guia, inclusive, que a Princesa Isabel, em viagem ao sul do país, hospedara-se na casa vizinha à de Gomes Jardim.
Vista da Usina do Gasômetro (Porto Alegre)
do interior do Catamarã
            Se Guaíba aproveitará efetivamente essa oportunidade não se sabe. Dependerá muito das estratégias públicas e privadas adotadas daqui para frente. O que se tem claro neste exemplo é a força do transporte como mola propulsora do progresso, quando visto não apenas como deslocamento de pessoas, mas como condição para o acesso a bens e serviços e ao exercício da cidadania.
O governo do Rio Grande do Sul dá um passo importante para o uso sustentável desse fantástico potencial. Na contramão dessa história, o Brasil gasta bastante com outros modais de transporte e sobresta planos e investimentos no setor hidroviário. Desse modo, segue “deitado eternamente em berço esplêndido” como nos versos de seu hino nacional. Talvez os decisores das políticas públicas receiem as crises. Cautela é bom. Mas, vale lembrar que medidas econômicas recentes mostraram que o investimento correto permite enfrentá-las com assertividade. Então, mirem no exemplo que vem do sul e na força que vem da hidrovia.

Por Jose Allama

Fontes:

7 comentários:

  1. Espero que dure... Um abraço!!

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  2. Allama, este é um belo exemplo de atividade que movimenta a economia com baixo impacto ambiental. Os investimentos são menores do que seriam os de uma ponte ou um contorno rodoviário, com retorno muito maior, uma vez que a travessia não significa apenas transporte no sentido estrito, mas também incremento turístico. É pena que nossos gestores públicos federais não enxergam isso. Parabéns pelo artigo! Grande abraço.

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  3. Parabéns pelo artigo. Bem retratado o momento em que vivemos e o histórico de Guaíba. A expectativa corre geometricamente a frente da realidade. Muito projeto e uma inflação imobiliária. A segunda ponte sairá do papel, mesmo com o sucesso hidroviário, conforme publicações recentes. Desta vez vai!!!

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  4. Allama,gaúchos e brasileiros,

    Um belo artigo sobre a situação e alternativas do transporte de passageiros e de carga do País.

    Uma excelente peça do jornalismo investigativo,especializado e comprometido em tornar o cidadão e o político cientes de um dos problemas sociais mais sérios do Brasil: a odisséia que se transformou a mobilidade espacial dos brasileiros.

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  5. Ademir,
    Mas um excelente artigo. Parabéns!

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  6. Muito bom o artigo, parabéns!!É bom ver a história de Guaíba ...

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  7. Fazer a travessia assim é mais agradável, economiza combustível, é mais seguro, não causa engarrafamentos.

    O Brasil precisa descobrir as hidrovias e os pequenas rotas por mar e a cabotagem, parar de congestionar estradas, parar de jogar combustível fora.

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