domingo, julho 03, 2011

O RIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL


                Depois de abordar o rio Paraguai, como a hidrovia da integração sul-americana é importante falar de um rio genuinamente brasileiro: o rio São Francisco. 
                O Brasil tem coisas extraordinárias. Entre elas, dois pequenos olhos d´água que, brotando do chão não mais do que 15 metros um do outro e, em seguida, formando uma poça com cerca de 4 m de onde sai um ribeirão, conseguem alcançar 2.800 km na sua busca pelo mar.  Muitos o chamam de "Velho Chico", o rio da integração Nacional.
Cachoeira de Casca D´anta, 186m
Sinalização da nascente do rio
Nasce na Serra da Canastra, no Chapadão do Zagaia, em São Roque de Minas/MG. Sua nascente é sinalizada com pedras, talvez, para ninguém tropeçar nessa espécie de cacimba. Corre no chapadão. Forma cascatas e se junta a outros pequenos ribeirões. Desce a serra e segue em ziguezague, cortando os sertões de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, para desaguar no Atlântico, na divisa desses dois Estados. Assim, forma uma das bacias hidrográficas mais importantes do Brasil, vez que recolhe águas numa área de 640.000 km2, em sete Estados e 464 municípios, onde vivem cerca de 13 milhões de pessoas.  
Bacia do rio São Francisco - AHSFRA
              Representa quase 70% da disponibilidade de águas superficiais do Nordeste. A área dessa bacia equivale aos territórios da França e Espanha juntos. A descoberta do rio é atribuída ao genovês Américo Vespúcio, que navegou em sua foz, em 1501, na data de 04 de outubro, dia de São Francisco. Indígenas o batizaram de "Opara", que significa Rio-Mar. A primeira viagem da qual se tem registro foi em 1554, por Francisco B. Espiñosa, confiada por Tomé de Souza, então governador do Brasil. No século XVIII surgem barcas maiores que as tradicionais canoas. Barcos a vapor começam a ocupar a paisagem das águas do velho Chico, na segunda metade do século XIX. No início do século XX, embarcações conhecidas popularmente como “gaiolas”, navios a vapor com roda, oriundos do rio Mississipi, nos EUA, foram utilizadas por décadas no transporte de cargas e passageiros. Na segunda guerra mundial, chegaram a levar tropas brasileiras ao litoral, para depois embarcarem em navios, a fim de lutar na Itália.    
Foto atual do Vapor Benjamim Guimarães
 Em que pese o potencial hidroviário brasileiro, os investimentos em infraestrutura, a partir de 1950, os quais favoreceram a indústria automobilística em detrimento dos outros modais, foram determinantes para a decadência da navegação também no São Francisco. A miopia das políticas públicas que se seguiram moldou a desequilibrada matriz de transportes que hoje drena a competitividade dos produtos brasileiros e ceifa milhares de vidas em acidentes nas estradas, anualmente.

Eclusa da Barragem de Sobradinho
Altura: 33,5m; Comp:120 m; Largura17 m
                 Nos anos 80, já estava praticamente extinta a navegação dos “gaiolas”. Fato curioso é que a barragem de Sobradinho, construída com uma pujante eclusa, em 1979, alterou a navegação nesse rio. Por um lado, melhorou a navegabilidade de importante trecho. De outro, as novas condições do grande lago, com ondas de curto período e de considerável altura, semelhantes às verificadas nos mares, fizeram desaparecer a folclórica navegação. Restou apenas um, o vapor Benjamim Guimarães, de 1920. Hoje, tombado e restaurado, voltou a operar uma navegação de passeio nas águas do São Francisco, inclusive com pacotes turísticos.
Embarcação tipica de carga do rio S.F.
              Essa estrada d´água sempre ocupou lugar de destaque no transporte hidroviário nacional. O rio apresenta dois estirões navegáveis, o médio São Francisco, com 1.371 km, entre Pirapora/MG e Petrolina/PE – Juazeiro/BA e, o baixo com 208 km, entre Piranhas/AL e a sua foz.  Atualmente, o transporte de cargas de produtos tais como gesso, produtos agrícolas, grãos, combustíveis, entre outros, ocorre no trecho médio do rio, por meio de embarcações típicas constituídas de comboios e empurradores. A hidrovia possui interligações com o sistema rodo-ferroviário da região.
Vista da construção do canal da Transposição 
                  Em grande parte do São Francisco, as áreas mais propícias ao aproveitamento agrícola situam-se às margens desse rio. Assim, é nas proximidades dele que se encontra a maior população. Um aspecto que não podia deixar de mencionar, dado a envergadura do projeto, refere-se à polêmica, mas importante obra de transposição de parte da água do São Francisco até os grotões do Rio Grande do Norte e que está mudando a cara do sertão nordestino.

Toda essa contextualização permite, agora, apresentar um breve relato sobre a oportunidade que tive em participar de um evento importante sobre o rio, juntamente com outros colegas da ANTAQ. O encontro técnico que tratou dos processos de recuperação de margens degradadas desse curso dágua foi organizado pela Cia. de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Ocorreu em Junho passado, em Brasília. Contou com representantes dos Ministérios da Integração Nacional e dos Transportes, do Exército Brasileiro, do Corpo de Engenheiros do Exército Americano (Usace), do DNIT, do IBAMA e da ANA.


O objetivo foi discutir o aperfeiçoamento do trabalho que vem sendo realizado para viabilização da Hidrovia do São Francisco, considerada como valioso vetor de desenvolvimento do Nordeste do país. Outro ponto alto da reunião foi a possibilidade de o Exército Brasileiro trocar experiências com o Usace. Aquele órgão presta relevante trabalho em defesa da navegabilidade do Rio Mississipi, nos Estados Unidos e está disposto a repassar sua experiência ao Corpo de Engenharia do órgão militar brasileiro.
Autoridades presentes no encontro técnico
Das autoridades presentes, três pronunciamentos chamaram a atenção. As falas do general brasileiro, a do norte-americano e a do representante do DNIT.  
O General Fraxe, do Brasil, iniciou falando da quantidade de produtores, especialmente estrangeiros, investindo e ganhando muito dinheiro no vale do São Francisco. Questionou qual o compromisso e retorno desses investimentos para conservação dessa fonte de riqueza que é o rio. Acrescentou que se trata de um ecossistema frágil. Que não pode estar à mercê de governos. Implica ações e organismos de Estado. Reiterou à Codevasf, o pedido de contratação da consultoria do Usace, a fim de aproveitar essa experiência centenária em nossa missão de bem cuidar do velho Chico. Destacou que, atualmente, as guerras são travadas economicamente, não mais apenas bélicas. Frisou que a gestão do rio São Francisco precisa ser perene e ter uma unidade de comando. Nada funciona bem quando mandam dois ou três patrões ao mesmo tempo. Falou da importância da instalação de um escritório de pesquisa na margem do rio, como existe no Mississipi. Por fim, ressaltou que para se ter autoridade para falar do rio é preciso anos de estudos e que o Exército Brasileiro está disposto e pode colaborar em muito.

Por sua vez, o General Semonite frisou que concorda com seu colega do Sul. Ressaltou que é bom adicionarmos paixão àquilo que fazemos. Temos que ir além da especialidade técnica, e fazer a diferença. Disse ser a terceira vinda ao Brasil em oito meses e vê todos muito comprometidos. Comentou sobre o trabalho preventivo, de manutenção e de resposta a desastres do Usace nos EUA. Destacou que os desafios do Mississipi são parecidos com os do São Francisco. Convive-se com secas, enchentes, inundações, falta de energia. Falou da importância de haver planos, manuais e protocolos para manter a bacia atendendo a todas as partes interessadas. Enfatizou a importância de que os planos considerem o equilíbrio de oito aspectos: Navegação, Controle de Cheias, Irrigação, Hidrelétricas, Qualidade da Água, Abastecimento, Vida Selvagem e Piscicultura. Reforçou o interesse nesse esforço bilateral, dentro de um modelo eficaz de cooperação e pediu que os eventos estimulassem mais debates entre os participantes.


Na questão dos investimentos, o Sr Eliezer enfatizou o salto do orçamento do Programa de Aceleração do crescimento - PAC II (R$ 430 milhões), para o período 2011-14. Estão previstos estudos, projetos, programas de melhoramento e de manutenção da hidrovia, e especialmente, na intermodalidade. Destacou a necessidade de melhoria na conexão com outros modais, colocando o rio no mapa da multimodalidade.


Em síntese, gostei do encontro. E fiquei feliz por conhecer essa nova face do exército norte-americano. Bem oposta à ideia assimilada na minha época de escola. Parecem ter substituído a tradicional visão colonialista por uma nova forma de relacionamento com seus vizinhos do sul, numa relação mais próxima do cooperativismo. Talvez, essa mudança de postura esteja mais relacionada à gestão Obama.


Vista aérea do São Francisco -
Sobrevoo de Helicóptero
 Outro fato digno de registro foi a visita do Usace ao Brasil, no final de 2010. Naquela ocasião, realizou-se  uma missão de reconhecimento do Vale do São Francisco, em conjunto com o Exército brasileiro e a ANTAQ. Houve o sobrevôo de helicóptero na sua bacia hidrográfica, de Cabrobó/PE à Brasilia/DF. Nessa oportunidade, outros colegas da ANTAQ participaram. Houve, inclusive, assinatura de um convênio de cooperação entre as duas instituições militares, com o apoio da Agência de Transportes Aquaviário.


Os projetos do vale do São Francisco e sua hidrovia são fantásticos. Existe um enorme potencial ainda subutilizado. Hoje, temos um rio em estado natural com uma ação antrópica severa. A mata ciliar é cortada e a madeira vendida para subsistência das pessoas. Os limitados mecanismos regionais de geração de emprego e de renda não resistem às pressões desse ecossistema. Tal quadro necessita ser revertido. O projeto de revitalização de margens pode ser ampliado para outros trechos do rio. Políticas públicas efetivas e investimentos consistentes nesse vetor de desenvolvimento da região podem melhorar a qualidade de vida da população, diminuir os custos de transporte, alavancar economias locais e promover o crescimento de todo o nordeste brasileiro.


Amanhã é 4 de Julho. Dia de comemoração do aniversário da independência dos EUA. Resultado concreto de um grande sonho dos norte-americanos. É de lá, do Rio Mississipi, que vem um belo exemplo sobre o uso múltiplo dos recursos hídricos. Tais ensinamentos podem ajudar o país a melhorar a vida dos que dependem do velho Chico.  Assim como nosso general, eu e muitos brasileiros sonhamos com o melhor aproveitamento do potencial hidroviário brasileiro, em especial, no nordeste. Torço para  que tenhamos conhecimento, habilidade e atitude para reter e aplicar efetivamente, pelo menos, uma parte de toda essa experiência. Então, parabéns à independência dos Estados Unidos da América. Que Deus ilumine a todos nesse desafio.


por JOSÉ ALLAMA


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