terça-feira, maio 03, 2011

A TERCEIRA ONDA DA HIDROVIA BRASILEIRA

Seguidamente, ouvimos pessoas manifestando-se sobre a evolução da humanidade. Segundo Alvin Toffler, escritor e futurista norte-americano, a trajetória do homem foi marcada por grandes transformações, as quais ele classificou em três ondas. A fase agrícola, definida como Primeira Onda, iniciou-se há aproximadamente 10 mil anos. A industrial, revelada há quase três séculos, foi classificada Segunda Onda. E mais recentemente, cerca de 60 anos atrás, o movimento denominado como sociedade pós-industrial ou sociedade da informação simboliza a Terceira Onda. Essa introdução possibilita uma analogia com o processo de desenvolvimento das hidrovias brasileiras. Nestes 500 anos, é possível identificar também importantes mudanças na navegação verde-amarela. Este artigo sintetiza a evolução do tema hidroviário no país em três grandes ondas, considerando seus avanços, retrocessos, potenciais e sua intrincada relação com a navegação marítima, a cabotagem, os portos e a indústria naval. Essa tomada de consciência é essencial para se compreender a situação atual e as perspectivas do setor aquaviário, as quais, se bem articuladas, podem colocar o Brasil numa posição de destaque no cenário nacional e internacional.
A primeira onda da hidrovia já estava em movimento antes mesmo da chegada de Cabral. Os colonizadores evidenciaram que a navegação praticada pelo nativo brasileiro, já em 1500,
apresentava características de um uso incipiente, mas bem adaptado as suas necessidades, como por exemplo, na pesca, nas batalhas com outras tribos e no transporte de pessoas e cargas. Por sua vez, a Coroa Portuguesa coloca todo o poder e conhecimento naval da época a serviço da expansão de seus domínios. Com esse propósito, surgem os primeiros estaleiros e portos no país. Nos três séculos seguintes, a ocupação do território se deu, primordialmente, por meio do transporte aquaviário. As estratégias de navegação serviram aos diferentes ciclos exploratórios, todavia se limitaram às condições tecnológicas e aos interesses predominantes de cada época.
A segunda onda inicia-se em 1808, com a chegada da família real, com a abertura dos portos às nações amigas, e amplia-se com o advento da máquina a vapor. Tais fatos alteraram o contexto político, econômico, tecnológico, social e cultural vigentes. A colônia vira reino. Os portos brasileiros estimulam o desenvolvimento nacional e o comércio internacional. Na lâmina da água, a propulsão a vapor revoluciona a navegação, substituindo de modo eficiente o remo, a vela e o vento. O crescimento do tráfego fluvial, marítimo e portuário expôs as fragilidades do setor.
Os governos imperiais e os republicanos propuseram reorganizações dos transportes, por meio de planos integrados e com uma visão racional de uso dos rios brasileiros. Contudo, o auge da ferrovia substitui as conexões fluviais por novos trilhos. Pode-se inferir que em algum momento da história, a matriz brasileira de transportes esteve em equilíbrio. Os planos desenvolvimentistas valorizaram as hidrovias. Porém, a partir da década de 50, o rodoviarismo rouba a cena e concentra as políticas públicas no setor automobilístico. A navegação fluvial subsistiu em algumas regiões, mas com tendência à estagnação e ao desaparecimento. O desenvolvimento da amazônia se deu por meio de suas estradas d´água.
O milagre econômico dos anos 70 favoreceu investimentos e elevou a indústria naval ao segundo lugar do ranking mundial, atrás apenas do Japão. Todavia, consolida-se o modelo rodoviarista. A crise fiscal e financeira dos anos 80 provocou estagnação e desinvestimentos. Nos anos 90, a desestatização e a liberalização viram moda. Órgãos e empresas públicas foram extintas. Tais fatos produziram um apagão hidro-naval-portuário no país. Nesse contexto, a segunda onda encerrou o século XX com  problemas tão grandes quanto os desafios que estariam por vir.
A terceira onda da hidrovia não é um tsunami. Diversamente do impacto dos fatos que marcaram o início da onda anterior, esta fase é ainda embrionária. Mas, já se evidencia um tratamento diferenciado ao setor aquaviário. Pode-se dizer que esta onda surge a partir da Constituição de 1988 e do arcabouço jurídico-institucional de reorganização do papel do Estado. Esse novo conjunto de leis e instituições vêm possibilitando significativas alterações nos setores da infraestrutura brasileira. Como exemplos, têm-se as leis de modernização dos portos, de concessões, das águas, de energias e as de criação das Agências Reguladoras, entre outras. Esse movimento é impulsionado por vetores como a estabilidade institucional e econômica do país, o crescimento das correntes de comércio e dos acordos internacionais, a demanda por uma infraestrutura aquaviária adequada e com tarifas módicas, maior rigor no trato das questões ambientais e usuários mais exigentes quanto à qualidade dos serviços prestados. Em especial, a expansão e interiorização da fronteira agrícola e da mineração vem exigindo investimentos públicos e privados na criação de alternativas logísticas de baixo custo e reduzido impacto ambiental. Quando se adicionam as demandas da indústria petrolífera, as perspectivas do pré-sal, dos biocombustíveis, da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 têm-se uma combinação explosiva e
exigente, que impõe a reconfiguração e o aperfeiçoamento, não apenas do modal aquaviário, mas de toda a infraestrutura de transportes. Nesse contexto, amplia-se o consenso de que a hidrovia constitui uma solução viável e eficaz. No tocante ao planejamento, vale ressaltar o Programa Nacional de Logística e Transportes. No horizonte de 15 anos, o PNLT propõe solução para o grave desequilíbrio que se verifica hoje entre os modais de transporte de cargas do país. Nessa perspectiva, o modal rodoviário deixa o inadequado patamar de 58% de movimentação total da carga e passa a responder por apenas 33%. Em paralelo, o ferroviário avança 7%, colocando nos trilhos 32% das cargas. Mas, o grande salto da matriz é no segmento aquaviário, que sai dos subutilizados 13% para o nível estratégico de 29% do total das cargas nacionais transportadas. Para alcançar essas metas será necessário priorizar os investimentos em infraestrutura de transportes, em especial, nos setores de navegação e portuário. Um exemplo do esforço brasileiro na busca pelo reequilíbrio da matriz de transporte foi a inauguração das eclusas de Tucuruí, no Rio Tocantins, no final de 2010. Após 30 anos de construção, a envergadura dessa obra representa um divisor de águas de um novo tempo da hidrovia e uma referência para novos projetos e iniciativas semelhantes. Mas é preciso avançar ainda mais. Sabe-se que o alcance de um novo patamar de melhoria implica mudança de cultura. Desse modo, urge romper com dois fortes paradigmas do setor de infraestrutura: o predomínio do setor elétrico sobre o uso da água e a supremacia do rodoviarismo sobre os outros modais. O primeiro por colidir com o princípio do uso múltiplo da água, consagrado na legislação. O segundo, por ter gerado uma matriz de transporte irracional e ineficiente, que drena competitividade do produto brasileiro. Eleva o custo Brasil e, a cada ano, milhares de vítimas engrossam as estatísticas de acidentes rodoviários. Esses e outros aspectos configuram o caldo de cultura que vem moldando essa nova onda da hidrovia.

Concluída a analogia, percebe-se que tais processos não são isolados. Pelo contrário, as ondas coexistem simultaneamente. Em resumo, vale frisar que o uso das hidrovias brasileiras está muito aquém de seu potencial. No entanto, com a correta articulação dos vários aspectos abordados, combinados com investimentos e a aplicação de tecnologias navais modernas, além do aproveitamento das melhores práticas de uso múltiplo dos recursos hídricos é possível reduzir o desnível entre esses estágios evolutivos e fazer com que nossos potenciais hidrográficos alcancem, efetivamente, a posição de hidrovias da terceira onda. Pois, quanto mais evoluído for o setor, maior e mais eficaz a sua contribuição para consecução das metas econômicas, sociais e ecológicas do país, rumo ao desenvolvimento sustentável. Por fim, é fundamental ampliar o conhecimento de formadores de opinião, dos tomadores de decisão, dos agentes técnicos, acadêmicos, políticos, empreendedores privados e outros atores acerca da importância desse tema para a sociedade, especialmente, no momento favorável que o país vive atualmente.

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