Versão Completa da entrevista com Amyr Klink
sobre Navegação Interior no Brasil
Bom, se você chegou até aqui é porque está interessado em conhecer a versão integral da entrevista. Então, a seguir apresento em detalhes a visão de Amyr Klink sobre a navegação interior no Brasil. Espero que goste!
Allama-BH: Quem é Amir Klink ?
Amyr: “Prefiro não falar de mim ou de meus feitos e vamos às perguntas. Tenho uma grande paixão pela navegação. Sempre gostei de ler sobre o tema (obras em inglês, francês, do Reino Unido). Tenho um tio Sueco. Já desenvolvi projetos e construí embarcações. Também já fiz barcos para a navegação interior.”
Allama-BH: Como você vê o potencial hidroviário do Brasil?
Amyr: “O transporte aquaviário é muito importante para o Brasil. Temos um país quase insular. Se você analisar as bacias hidrográficas e o litoral brasileiro verá condições ótimas para se alcançar um nível de excelência neste segmento. Infelizmente, é um absurdo a ignorância crônica do Brasil no setor aquaviário e cito alguns exemplos:
· Na ilha de São Francisco, em Santa Catarina, foi feita uma ponte ferroviária no canal do Linguado;
· Em Porto Alegre, uma enchente histórica provocou a construção de um muro que isolou o porto da cidade;
· A rodovia Piaçaguera, que substituiu a travessia Santos-Guarujá, apresenta pontes baixas, inviabilizando a navegação;
· No Recife/PE, os rios estão castrados por pontes baixas que impedem a navegação e, até mesmo a criação/facilitação de roteiros turísticos.
Esse quadro se repete em todo o país. A Amazônia é um caso à parte, pois lá existe a cultura da navegação. Até pela inexistência de uma cultura de se criar facilidades o Brasil inventou um interessante sistema modal de transporte: a dos empurradores. Estes não se servem dos portos oficiais. Primeiramente, o objetivo era o de fugir dos custos portuários, de estiva, de cabotagem, entre outros. Assim, implantou-se uma tecnologia de transporte, uma espécie de conteinerização de carretas rodoviárias e de outras cargas. Método inteligente e de baixo custo de transporte. Esses empurradores transportam um conjunto de barcaças com alto desempenho econômico, energético, de segurança e ambiental.
O Brasil é um exemplo interessante de como não se fazer as coisas. Tive oportunidade de viajar na Região Norte e no Centro-Oeste. A legislação prevê a construção de eclusas em barragens hidrelétricas. Mas as concorrências foram realizadas sem esses projetos. Depois que vi a discussão desse problema lá em Palmas, com membros do Ministério Público. Tinha também um pessoal amigo nosso que atua nessa área, confesso que dá um desanimo muito grande! Viajamos na Tietê-Paraná e tudo aquilo que foi possível fazer para que a hidrovia não aconteça foi feito. Ou seja, a hidrovia, que deveria ser usada para transporte, para turismo, tem graves limitações. Assisti a uma operação do Ibama num clube náutico maravilhoso na beira de uma represa, apenas porque eles estavam cortando a grama na volta da piscina. Então, chega uma hora que você pensa: Bom, se o país não quer, paciência! Eu gosto muito do mundo aquaviário, mas vejo que no Brasil as perspectivas não são nada boas. Por exemplo, como melhorar a navegação na bacia do rio Tietê? É uma coisa espantosa a qualidade do trabalho empreendido na construção dessa hidrovia, mas as pontes das rodovias foram todas mal feitas. Os batentes das pontes são tão estreitos que os comboios têm que ser desmanchados para cruzar os vãos. O país faz piada de português, mas o mundo faz piada de brasileiro. A gente se auto proclama avançado em muitos setores, detentores com uma economia forte, como de fato é verdade, mas vivemos o reino do absurdo na questão aquaviária.
No caso da bacia do rio Paranapanema, que é uma das mais bonitas do Brasil e o próprio Lars conheceu as suas várias represas, é grave o fato de que nenhuma delas tenha eclusas. E trata-se de uma das bacias mais importantes do Sudeste. É grande a quantidade de erros. Tudo bem que estamos errando menos tempo que a Europa, mas no caso da navegação interior temos erros de difícil correção em pouco tempo ou, no mínimo, vão exigir recursos brutais.
Allama-BH: Quais as hidrovias brasileiras que você já navegaou?
Amyr: “Já andei em vários rios brasileiros, na bacia do São Francisco, na bacia do Amazonas, em seus diversos rios, na hidrovia do Tietê Paraná, nessa viagem junto com o Lars, numa embarcação que meu sócio construiu lá no estaleiro.
Allama-BH: Na hidrovia do Tietê-Paraná, o que mais lhe chamou a atenção?
Amyr: A Hidrovia do Tietê-Paraná é uma referência. Quando da construção das barragens hidrelétricas foram construídas eclusas em cada reservatório. Hoje tem cerca de 1800 km de vias navegáveis que considero quase que uma exceção nesse cenário de descaso. No Brasil, existem vários rios onde deveriam ter mais eclusas. O problema é que existe um descaso, não econômico, mas cultural com relação ao uso da hidrovia. Todavia, um exemplo positivo a ser citado é o caso de usinas de cana de açúcar. Não lembro agora o nome, se é Primavera ou Diamante. Mas, eles alteraram o transporte da colheita, mudaram a forma de operação, passando a adotar chatas. Hoje, tem uma eficiência muito grande. Quer dizer, com um mesmo motor Scania ela empurra várias dezenas de caminhões. Então, a hidrovia Tietê-paraná é interessante. Fizemos todas as eclusagens, desde Dois Córregos até o rio Paraná. Já o caso do rio Paranapanema é emblemático, pois não foram construídas eclusas. Hoje, não aceitaria como contribuinte que o dinheiro do meu país fosse gasto para corrigir essa situação. Não teria sido difícil fazê-las no momento da construção das barragens, e teríamos evitado um erro tão primário.
Comentário Allama-BH: Você tem razão. A ausência de mecanismos de transposição dos barramentos hidrelétricos (eclusas) constitui hoje um dos principais obstáculos à navegação em muitos rios brasileiros. Entretanto, já se percebe uma mudança nesta situação, a exemplo dos investimentos programados e realizados no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, no Plano Nacional de Logística e Transportes e nas Diretrizes da Política Nacional de Transporte hidroviário, elaborados pelo Ministério dos Transportes.
Amyr: Mas é possível fazer uma eclusa onde já existe barragem? Mas, a que custo?
Comentário Allama-BH: Sim. Isso pode ser feito por meio de um canal paralelo. Um grande exemplo são as eclusas do rio Tocantins, inauguradas no final de 2010, depois de 30 anos do início das obras. Obviamente, o custo da eclusa depois de pronta barragem é muito maior do que se construída em conjunto. Outro ponto, para a hidrovia do Tietê-Paraná estão previstos investimentos na ordem de R$ 1 bi para melhoria e correção de pontes e dificuldades operacionais à navegação. Outro complexo interessante de eclusas é que foi construído na Hidrovia do Sul, ligando o interior do Estado do RS ao porto de Rio Grande. Todavia, a estratégia logística, centrada no rodoviarismo, deixou esse importante meio de transporte em situação crítica. Felizmente, estrategistas públicos e privados estão se dando conta que precisará muita grana para colocar nas estradas e mesmo assim não atenderá a crescente demanda por transporte. Então, as hidrovias reaparecem como alternativa relevante.
Allama-BH: Em seus projetos, você tem abordado a importância do aproveitamento da criatividade e talento das pessoas. Como esses dois aspectos podem ser trabalhados no desenvolvimento das hidrovias brasileiras?
Amyr: No caso das hidrovias brasileiras acho que será preciso toda a criatividade do mundo, pois o problema é muito sério. Por exemplo, há algum tempo o Brasil não tinha infraestrutura para guardar barcos. Então, começamos a montar as primeiras marinas, abandonando a cultura primitiva de fazer atracadouro com bombonas. Foi uma experiência interessante pela dificuldade de achar profissionais de caldeiraria, solda, montagem. Resolvemos formar gente do nada e foi preciso muita criatividade. Todavia, criatividade sem um projeto atrapalha mais que ajuda. E conseguimos formar alguns dos melhores profissionais no mundo, nessa área.
Hoje, percebe-se estar havendo uma mudança de estratégia. Fico surpreso positivamente com a posição do governo atual. Ainda é recente, resultado das últimas duas ou três gestões. Mas, além de criatividade, precisamos de um pouco mais de critério. É preciso mudar a cultura de funcionamento de ministérios, de ministros, de servidores públicos da área executiva e legislativa, onde há uma ignorância brutal sobre a importância da hidrovia. Quando vai se montar uma marina, você enfrenta tantos problemas burocráticos e de licenciamento ambiental que parece uma atividade criminosa. E quando vai explicar que essa é uma atividade multiplicadora de renda, de emprego e riqueza, parece um discurso maluco que ninguém compreende. Uma referência internacional importante é o porto de Palma de Maiorca, na Espanha, com uma receita anual de bilhões de euros. Esse porto faz sozinho tudo que o Brasil gira num exercício em termos de turismo.
Vejamos outro caso interessante da nossa falta de cultura náutica e de uso de embarcações de cabotagem. Já doei meia dúzia de projetos para o porto do Rio de Janeiro. Incomoda muito viver num país que tem única grande cidade do mundo que ainda não fez a integração na vida do porto com a comunidade, apesar do enorme potencial que apresenta.
O porto Madeira é exemplo de tudo que não se deve fazer, devido ao seu modelo estático, isolado. Ficou bonito. Vamos lá, comemos numa churrascaria e tal. Londres é um projeto interessante, assim como na Escandinávia. Além desses, cito um projeto no qual conheci os delegados executores: o da Cidade do Cabo. Uma situação parecida com o RJ. Numa região ainda mais degradada. Também problemática, mas, muito pior por conta de conflitos de etnias, ocupações irregulares, entre outros. Entretanto, conseguiram fazer um projeto muito bom. Já o porto maravilha no RJ é lindo. Foram previstas varias pistas de rolamento. Só tem um detalhe, esqueceram os barcos. Não tem atracadouros no projeto. Virou motivo de piadas lá fora. Urbanistas estrangeiros rolam de rir. Assim, confiar somente na criatividade não basta. Temos que passar por processo de reeducação. Não tem sentido depender só de rodovia ou ferrovia. Entendo que, simplesmente, é uma ignorância fazer uma estrada quando pelo mar você percorre um terço da distancia. A Bahia da Babitonga é outro exemplo de vias navegáveis. Joinville é uma cidade que nasceu do mar e tem vários rios. Impressionante, mas simplesmente ignorou-se esse potencial. Tem o exemplo do porto que será um dos principais de SC. Está na boca da bahia. Mas a saída para Curitiba será feita por uma estrada, a um custo enorme. Injustificável, quando se tem o rio Palmital. Uma via navegável natural de água doce, maravilhosa e não aproveitada.
Allama-BH: Seus projetos são fortes em patrocínio. Na palestra feita na Riocell S.A. você disse que a Aços Villares condicionou o patrocínio à mudança do casco do barco para aço. Mas você manteve a ideia original do alumínio. Como mobilizar patrocínio para a Navegação Interior?
Amyr: Por incrível que pareça não sou especialista nessa área. Mas, se tenho convicções muito autênticas e fundamentadas em relação ao que fazer e ao quero fazer, vou em frente. Quando você consegue transmitir de modo autêntico, você não precisa adular. Hoje não quero saber de terceiros e iniciativa privada nos meus projetos. Se não tiver competência financeira para resolvê-los, prefiro ficar em casa vendo TV.
Na esfera pública talvez seja mais difícil convencer, em especial quanto aos órgãos de meio ambiente. Pode ser que não entendam na primeira vez, na segunda, mas uma hora terão de entender. É preciso persistência, clareza de objetivos e a capacidade de explicar o impacto do conjunto das intervenções. Cada especialista tende a defender o seu lado com certa intransigência. No entanto, quando você o procura mostrar o impacto como um todo, você consegue, ao final, a adesão de contrários. Deve ser aplicada como um sacerdócio.
Em Parati, conseguimos avançar na preservação do patrimônio histórico.
Entre os impactos na rodovia, o mais grave deles é o impacto social. A implantação de uma hidrovia custa menos e você pode provar isso, especialmente com a saturação do transporte rodoviário. Apenas para citar um exemplo. Em Ubatuba, tem a rodovia federal Rio-Santos, que atravessa áreas urbanas e onde existiam vias locais singelas e que foram alteradas. Essa via federal atropela a via local. Acontece isso em inúmeras cidades. As pessoas passam a ocupar as margens e acostamentos dessa rodovia. Existe um número enorme de brasileiros morrendo de maneira criminosa hoje. Bicicletas, carroceiros, pedestres, animais. Isso é uma falta de responsabilidade total do poder público. Em Parati morreu um menino de bicicleta, atropelado. O responsável por esses crimes persistentes é a União, o DNIT, o Ministro dos Transportes. Este é o assassino doloso. Se houve a construção de uma via federal, que eliminou estradas locais, era para ter sido feita uma nova via para pedestres e ciclistas, ou seja, uma via de baixa velocidade para se evitar mortes. Assim, nas cidades de trânsito elevado a situação é mais sórdida, tornando mais dolosa ainda a responsabilidade desse ministério, devido à falta de manutenção. Obriga ao uso do acostamento, que estão ruins. As pessoas vão para a pista. Desconheço político de qualquer esfera que já tenha se pronunciado sobre esse problema. Então, esses são alguns dos argumentos que podem ser utilizados para convencer as pessoas a cerca das vantagens do transporte aquaviário.
Comentário Allama-BH: Você está correto, entretanto, penso que ainda não temos uma maturidade cultural, nas pessoas e em nossas instituições, para fazer valer a correlação com o nível de responsabilidade das autoridades públicas quando a decisão de implementar uma política pública geradora de impactos sociais perversos, tais como mortes e acidentes graves, ou destes que você citou. Talvez um dia cheguemos lá, mas ainda será necessário avançarmos muito.
Allama-BH: Você enfatiza muito a questão de buscar sempre soluções inovadoras e confiáveis. E perseguiu muito isso em seus projetos. Como tratar isso nas hidrovias da navegação interior no Brasil?
Amyr: Na questão da inovação não vai dar para usar recursos e meios convencionais quando muito dos erros já foram cometidos. Acredito em soluções para muito desses casos, onde vale a pena. Existem regiões com crescimento acelerado. Brasil continuará crescendo. É preciso prever o uso racional dos recursos hídricos naturais e artificiais. Então, duas as áreas importantes de se falar é a área burocrática e a de licenciamento. O caso da hidrovia Tietê-Paraná é caso interessante, pois existem dificuldades muito grandes para qualquer iniciativa. Até mesmo para se fazer um atracadouro ou outra solução que facilite a navegação. Parece que as leis ambientais de uso de bordas de rios e represas são padronizadas. Isso é um erro enorme. Também sou defensor da natureza e tenho feito o máximo possível, mas você não pode padronizar esse tipo de situação. Tem casos de exceção e não tem sentido aplicar isso. Será preciso capacidade de encontrar soluções, mas apenas técnicas, mas burocráticas.
Comentário Allama-BH: Você tocou num ponto importante que é a questão ambiental. Atualmente, também verificamos dificuldades na implementação de políticas públicas na área de hidrovias junto a órgãos ambientais. Temos enfrentado resistências e dificuldades para convencê-los das vantagens da hidrovia, especialmente, na comparação com os estragos e impactos negativos proporcionados pelo outros modais de transportes.
Allama-BH: O Brasil despencou do segundo lugar no ranking mundial da indústria naval, no final do século passado, e o setor aquaviário ficou estagnado. Atualmente, a situação começa a ser revertida. Como você avalia da indústria naval brasileira?
Amyr: Esse superaquecimento da indústria naval é motivado pela indústria de óleo e gás. Temos agora a oportunidade de ver a volta ao Brasil do 1º mineraleiro da vale. Um dos maiores navios do mundo, com capacidade de 402 mil ton. A Vale encomendou 19 navios como armadora e mais 6 como afretadora. É a maior frota de navios gigantes do mundo. Mas, hoje, temos problemas. O Brasil não tem como atender internamente todas essas demandas da indústria naval. Talvez seja algo transitório. Têm vários estaleiros acontecendo. Alguns com os problemas ambientais citados. Mas, são problemas positivos. Espero que isso se reflita para outros setores. Temos uma capacidade técnica muito boa nessa área, competindo em igualdade com nações avançadas, apesar dos custos tributários trabalhistas estruturas. Todavia, é um cenário que tende a se consolidar. Os números da Vale são impressionantes. Os da Petrobrás, idem. O importante é pensar na manutenção disso tudo. No médio prazo, serão necessários estaleiros para reparos e manutenção, mão-de-obra, tecnologia e outras coisas.
Esse ano, voltando da Antártica fiz uma escala nas Falklands, que erroneamente chamamos de Malvinas. Estava discutindo com técnicos suecos. Eles estão trabalhando numa região que é uma continuidade da camada do pré-sal brasileiro. Já é conhecida a existência de petróleo nessa área, mas não estão fazendo alarde para evitar problemas diplomáticos com Argentina. Entretanto, será muito difícil a Argentina participar desse processo tendo pretensões políticas vazias. Se a Argentina se dedicasse a fazer um acordo prático com o governo britânico, essa parte interessante de suporte à operação petroleira, que tem impacto econômico e social relevante, poderia ser garantida. Penso que vão acabar perdendo. Hoje, está sendo usado o porto de RG no Brasil e uma estrutura transatlântica maluca para atender o trabalho que vai acontecer lá. Essa atividade de suporte tem impacto econômico mais positivo que a própria extração de petróleo em si. Espero que o “boom” da construção naval se espalhe para outros setores e faça o Brasil crescer de maneira sustentável.
Allama-BH: O que você sugere para que os projetos da navegação interior no Brasil encantem a sociedade?
Amyr: O encantamento exige preparação. Penso que você, com sua iniciativa podem ajudar a conseguir isso, se houver dedicação. Um exemplo é o projeto do trem bala. Houve um encantamento. Sinto-me tentado a analisar esse projeto. Friamente falando, são números que precisam ser compreendidos em matéria de importância e prioridade. No caso do transporte aquaviário não é difícil esse encantamento, mas é necessário o envolvimento de governos estaduais e locais, Deputados, Senadores, Vereadores, Prefeitos. Sei que se trata de uma atividade, no qual muitas regiões e pessoas estão sensíveis às soluções, então é fácil encantar.
Comentário Allama-BH: Sem dúvida, se tivéssemos os 30 bilhões do Trem Bala ficaria mais fácil encantar a sociedade.
Allama-BH: Qual sua opinião sobre os eventos da Copa e Olimpíadas no Brasil?
Amyr: Sou totalmente contrário à realização dos eventos da Copa ou das Olimpíadas no Brasil, mas penso que estes dois eventos serão importantes para ficarmos, no mínimo, ruborizados. Penso que precisamos de modéstia para admitir não ter condições, nem visão de planejamento para fazer eventos dessa magnitude. Capacidade e talento nós temos. Não é o lado técnico. Envolve uma série de questões, estrutura política, tempo de licenciamento, hábitos culturais, superfaturamento, valores morais, entre outros. Por isso ainda não estamos preparados. Imagino que será um desafio enorme e vamos conseguir façanhas olímpicas para entregar algumas coisas ou inaugurar outras. Até mesmo no estaleiro fazemos coisas em dois dias que deveria ter sido feita ao longo do ano.
Allama-BH: Quais foram os seus maiores erros e acertos de seus projetos?
Amyr: O barco Parati II é um projeto tecnicamente perfeito e impecável. Fiquei muito contente com a construção de uma réplica dele para um cliente na Europa. Um projeto imbatível mas, às vezes, se erra em alguma escala. Neste caso, apostei numa forma diferente de propulsão auxiliar a vela. Por razão de eficiência e autonomia, de viajar a longas distâncias com menor impacto, todavia descobri o contrário. Hoje, para uma grande embarcação, a vela não é algo inteligente. Um conjunto de velas, por causa de aquecimento e da exposição a raios ultravioletas, tem uma durabilidade muito pequena. São apenas dois ou três anos e o custo de reposição é maior que o uso de hidrocarbonetos. É triste falar isso para quem gosta de vela. Mas, é muito mais barato fazer a volta ao mundo a motor, queimando óleo diesel em motor convencional do que à vela viajando com a própria propulsão. Esse material exótico não é reciclável, muito menos, sustentável. Agora, estou em discussão com o cliente que quer fazer um gerador eólico usando velas para diminuir custos. A idéia, em tese, é louvável, mas, na prática, o material é caríssimo e a durabilidade pequena. Esse é o lado fascinante do mundo técnico. De repente, você descobre o óbvio. Outro exemplo: um gerador eólico não é a forma mais sustentável. Os portugueses e dinamarqueses que o digam, pois eles têm uma poluição sonora e visual enorme. É um assunto a considerar. Parques eólicos estão indo para alto mar. Portugal adotou um programa de instalação de torres eólicas. As linhas de torres ficaram muito próximas, e eles resolveram separar. O resultado é que não tem um hectare em Portugal que não tenha torre eólica na paisagem.
Allama-BH: Quais as sugestões que você daria para ampliar a visibilidade do Blog da Hidrovia no seu objetivo de promover a navegação interior no país?
Amyr: Somos muito criativos, mas é preciso levantar dados. Temos que ser frios. Além de encantar, é preciso convencer. Demonstrar dados econômicos, o impacto ao longo do tempo. Temos vários problemas na cabotagem. Mostrar experiências e o que foi feito em outros países. Hoje, você pode viajar a Europa inteira por hidrovias. Algumas estão decadentes, outras recuperadas, mas existe uma profusão de dados que podem ser usados como argumentação. Dados sobre impacto de rios navegáveis nesses países. Na França existem tuneis aquáticos e obras impressionantes, vias navegáveis suspensas. É preciso levantar informações. Demonstrar eficiência do modal aquaviário, seu impacto menor, viabilização tecnológica e custo deste modelo de transporte. Não conheço trabalhos fascinantes nessa área, mas penso que não seja difícil levantar. Sugiro levantar dados de terceiros, erros e acertos, a economia que foi obtida, impactos que teriam ocorrido na região se não houvesse essas vias navegáveis.
Allama-BH: Mensagem final para os leitores do Blog da hidrovia
Amyr: Muito bacana a idéia do blog e espero que cumpra o papel de fazer pensar estrategistas, governantes, e nós mesmos, sobre transporte aquaviário, que é muito importante para o Brasil. Se bem aproveitadas, podem levar a navegação brasileira a um nível de excelência, com reconhecimento internacional.
Fechamento Allama-BH: Agradeço muito tua disponibilidade para essa entrevista, de nos trazer a tua visão sobre a navegação interior no Brasil. Parabenizo a você pela determinação e garra que tens empreendido em teus projetos. Gostaria muito de tê-lo como formador de opinião no Blog e que essa seja a primeira de muitas interações a favor das hidrovias. Convido-o também ler no Blog o artigo denominado A TERCEIRA ONDA DA HIDROVIA BRASILEIRA. Trata-se de uma analogia com a obra de Alvin Toffler, no qual ele diz que a evolução da humanidade atravessou três grandes ondas. Na navegação interior do Brasil também identificamos três grandes movimentos, os quais estão descritos nesse artigo.
Bons Ventos para você, à sua família e à sua equipe!
Por José Allama
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